Páginas

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

CHUTANDO O BALDE

  
                                          
                                                            CHUTANDO O BALDE
         
                                       "O RAPAZ COMEÇOU A INVEJAR A LIBERDADE DO VENTO...
                                         E PERCEBEU QUE PODERIA SER COMO ELE
                                         NADA O IMPEDIA, EXCETO ELE PRÓPRIO  "
                                                             
                                                                      (Paulo Coelho em "O Alquimista" ) 

                         Fico sem entender como algumas pessoas se violentam fazendo coisas que , claramente não desejam fazer. Aqui mesmo, bem perto de mim, vive uma mulher ruiva, bonita,bem de vida e na flor da idade  - como dizia minha avó. Fique claro que nos dias atuais, essa flor é um bouquet onde estão reunidas as balzaquianas , as quarentonas e as jovens avós cinquentonas ou sexagenárias.
                       A mulher em questão, é uma dessas adeptas da geração saúde, com um corpo malhadão, idade indefinida. vestida pelas griffes esportivas mais badaladas e  pulsos bronzeados com braceletes de prata . 
                      Além da academia que consome suas madrugadas - sim, amados, para mim, seis ou sete horas da manhã tanto faz,é madrugada ainda , e não consigo compreender porque a humanidade insiste em acordar tão cedo ( se é tão bom rolar na cama à-toa, pensando em como é bom ficar à-toa). Para mim, isso só se justifica por um único e grave motivo: ter que ir trabalhar para garantir o minguado pão diário.Fora isso, é camisa de força !
                     Mas o caso é que depois da malhação exaustiva, essa pobre criatura deve jogar uma água no sovaco ou tomar um banho rangendo os dentes de pressa,  porque sai rápido de casa, desta vez rumo ao tão nobre trabalho. Êpa ! Eu disse trabalho ? Então retifico : ao PRIMEIRO trabalho, pois conforme a própria atleta suicida me confessou, tem três . Três !  
                    Ave Maria, mangalô cruz credo, bate na madeira -  que só de ouvir já me deu 
taquicardia. Um trabalho só já é mortal, imaginem três. Pois a gostosona faz essa maratona de segunda à sexta, dito pela própria.Acorda às 5:30h e "consegue" parar lá pela meia noite !
                    Quando ouvi esse relato, fechei rápido os olhos e me imaginei em seu lugar.Tive a visão cósmica que em apenas cinco dias no corpo dela , e eu estaria na  U.T.I. vegetanto para todo o sempre.Disfarçando meu horror, perguntei se após essa jornada, ela desmaiava o fim de semana todo. 
                   - Quem me dera ! - foi sua resposta. Nos fins de semana, tenho vários compromissos agendados. Durante a semana não tenho tempo prá nada, então sobra tudo para resolver sábado e domingo...
                  O quê ? Ainda tinha mais compromissos final de semana ? E e eu descobri , amados, que era tudo agendado mesmo : coisas "urgentes" acumuladas e escritas no papel .Visitar os pais, ir ao mercado, fazer unha, cabelo, ligar para as amigas, finalizar pendências dos trabalhos...
                  Até  lazer constava da lista como obrigação, pasmem!               
                  A existência era compactada numa infinidade de itens para manter a vida social e laboral alucinante. Santíssimo, não sei como resisti ouvir tudo aquilo sem dar -lhe umas bordoadas.Mas lembrei que todo mundo é livre, até para decidir ser escravo:as escolhas estão aí para isso.
              Fim de papo : tudo estaria bem se nossa SuperRuiva estivesse feliz com isso Mas , para minha surpresa, descobri que ela era uma vítima de si mesma. Com olhos muito arregalados, 
 respiração ofegante e as mãos trêmulas , bateu à minha porta ontem à noite. E como precisasse 
do telefone de um serviçal do bairro, acabou revelando as mazelas de seu desespero : não aguentava mais malhar, estava um caco, não dormia bem há meses, a gastrite doía,odiava dois dos três empregos, e não tinha mais vida pessoal. A essa altura, nossa heoína desabou e começou a chorar feito criança.
              Minha reação :
              -- Você já pensou em chutar o Balde ?
              --  Já... já - soluçou . Mas não posso : tenho dívidas, compromissos, satisfações a dar...Mas estou a ponto de enlouquecer!
              Mais um cafèzinho e ela perguntou :
              -- O que você faria no meu lugar ?
              Amados, foi ela quem perguntou ! Então eu tive que responder:
              -- Bom, da Academia eu simplesmente desaparecia.
              Ela arregalou os olhos mais ainda .
              -- É mesmo ?
              -- É mesmo, respondi. Se alguém ligasse prá saber de mim, eu diria que estava com um parente terminal e encerrava o assunto. SE alguém ligasse.
              O rosto dela se iluminou.
              -- E o resto ? -  quis saber
               -- Idem com batata frita. Pedia demissão dos dois trabalhos que não gosto e de maneira curta e grossa. Falava até a mesma coisa prá não precisar inventar outra histórias : parente terminal e ponto final : "Não posso nem cumprir aviso prévio". Eu, nem lá ia. Mandava uma carta de demissão por e-mail e que se foda a cara do chefe.
               Ela desatou a rir e então contei que fiz isso no meu último emprego. Trabalhei sete dias, o povo me adorando, mas eu detestava, então deixei um bilhete de demissão. Um texto lindo e querido que dizia "goodbye".
              -- E o que aconteceu ? quis saber ela.
                  Abri os braços :
              -- Nada ! - sorri. Estou aqui  dura,  e muito feliz  hehe! 
              -- Mas e minhas contas ? - a essa altura ela já torcia as mãos feito criança, prestes a aprontar uma arte (das boas).
                  Respondi :
              -- Dá beiço. Os grandes banqueiros, o governo e os empresários fazem isso o tempo todo. Vá pagando os menores como puder - e os grandes ,  faça como eles : devo não nego, pago quando puder... Sua saúde é mais importante. Tem muita coisa no seu nome ?
              -- Nada - ela retrucou quase em êxtase.
              -- Então, chuta o Balde.
             ...................................................................................
                
              Hoje às dez da manhã, a vi regando as plantas, sorrindo e ainda de pijamas.

              Ai Meu Deus ! Prá quê ela foi me perguntar tudo aquilo ??? 

                                                                                       (Suian Moreira)

             
              --