Um
dos aspectos mais marcantes do atual contexto social
é a exacerbada competição que
aparece impregnada nas relações humanas.
Embora essa tenha sido uma característica também
de outros tempos, podemos notar que a sua presença
é tão forte em muitos espaços
da nossa vida como nos parece ser a intenção
de desenvolvê-la na consciência das pessoas.
A
competitividade ou livre concorrência é
um dos princípios da economia liberal e teve
como principais defensores Adam Smith e David Ricardo.
Segundo Smith, procurando apenas um ganho pessoal,
a pessoa trabalha, coincidentemente, para elevar ao
máximo possível a renda anual da sociedade.
Por uma mão invisível a pessoa estaria
sendo misteriosamente levada a executar um objetivo
que jamais fez parte das suas intenções.
E,
buscando apenas seu interesse exclusivo, a pessoa
muitas vezes trabalharia de modo bem mais eficaz pelo
interesse da sociedade do que se tivesse de fato esta
intenção. Podemos notar que a idéia
básica da livre concorrência é
a fé depositada na idéia de que as pessoas,
uma vez competindo entre si, automaticamente estariam
contribuindo para o progresso geral da sociedade.
No
entanto, o que se observou na história é
que a livre concorrência eliminou a si mesma,
constituindo monopólios e oligopólios
privados e, com o advento do neoliberalismo, o Estado
passou a ser um instrumento estimulador da competitividade.
"Veremos, assim, que, a concorrência matando
a concorrência, precisou constituir-se um neoliberalismo
para salvar a idéia de liberdade econômica
(...) Enquanto o liberalismo clássico pedia
que o Estado não interferisse, para que a concorrência
pudesse produzir todos os seus bons efeitos, o neoliberalismo
pede ao Estado que se mexa para assegurar que a concorrência
possa existir". (SALLEROUN, 1979: 48). Nesse
sentido, podemos afirmar que existe uma intenção
clara, a nível de ideologia política,
de promover a idéia da competição
como intrinsecamente positiva para a humanidade, que
deixa de ser apenas um conceito na economia para fazer
parte do imaginário social das pessoas.
Muitas
são as manifestações da idéia
de competição em nosso meio social.
Ela está presente desde a "preparação"
das crianças, pelos pais, para "vencer
na vida"; nas brincadeiras e jogos competitivos
onde "o importante é competir" para
que haja "graça"; em festivais, gincanas,
concursos, programas de televisão (Big Brother)
e em todas as atividades que pressupõem a seleção
de alguns para a necessária exclusão
de outros; chegando, finalmente, ao mundo competitivo
do trabalho e ao conjunto das relações
sociais onde o que importa é ser um "vencedor",
para demonstrar "competência" e afirmação
diante dos outros. Como afirma José Ignácio
Rey, "ao valorizar a competição,
ao levantá-la como bandeira, o homem vê
o outro como seu inimigo (...) e quando há
um ganhador, o mais forte, surgem irremediavelmente
a marginalidade e a opressão".[1]
Cabe
aqui perguntar por que as pessoas aceitam desafios
competitivos se neles já está inerente
sua lógica excludente? Exemplificando: se numa
corrida onde há dez atletas competindo e já
está dado como certo que apenas um sairá
vencedor, por que os dez continuam correndo? A razão
é que cada um dos dez atletas imagina ser,
individualmente, o vencedor. Mas, e o que acontecerá
com os demais, que são a maioria? Isso parece
que não importa, já que não teriam
sido "capazes" para vencer.
É
evidente que essa lógica competitiva, que divide
o mundo em vencedores e perdedores (onde a minoria
vence e o restante perde), cria situações
de angústia e revolta nos excluídos.
A violência que aumenta assustadoramente na
sociedade e passa a atingir fortemente as escolas,
deve ter relação com o sentimento de
exclusão que atinge a maioria das pessoas do
planeta. Como encontrar alternativas de solução
para isso? Entendemos que o primeiro passo é
perceber como a competição está
presente em nosso cotidiano, para conseguirmos refletir
sua problemática. Num segundo momento, é
necessário nos contrapormos à ela, construindo
um novo jeito de viver e de se relacionar com os outros.
Nosso
desafio é encontrar meios efetivos de enfrentamento
à ideologia liberal e a conseqüente exclusão
de seres humanos da possibilidade de terem uma vida
digna. A nossa opção em aceitar o que
fatalisticamente é apresentado ou em modificar
estruturas opressoras implica em assumir, de forma
responsável, as suas conseqüências.
Conforme o sociólogo Alfie Kohn, citado por
BROWN:
" Trata-se de ir para além de um
ponto de vista individual. Mesmo que me pareça
apropriada a competição...necessito
perguntar-me se é do nosso interesse coletivo
seguir competindo. Se não é assim, então
precisamos não apenas pensar, mas também
agir como grupo. Substituir a competição
estrutural pela cooperação exige a ação
coletiva, e essa ação coletiva requer
a educação e a organização...
Temos que ajudar os outros a verem as terríveis
conseqüências de um sistema que identifica
o êxito de um no fracasso de outro. Mas juntos
podemos agir para transformar isso". (BROWN,
1994: 21).
(
ANTONIO
INÁCIO ANDRIOL)